A pesquisa "Representações das mulheres nas propagandas
na TV", realizada pelo Data Popular e Instituto Patrícia Galvão e lançada
nesta segunda-feira (30), em São Paulo, revela que uma das principais bandeiras
do movimento feminista e dos defensores da democratização da mídia agora também
é abraçada pela maioria da população brasileira. O estudo, que ouviu 1.501
homens e mulheres maiores de 18 anos, em 100 municípios de todas as regiões do
país, mostrou que 56% dos brasileiros e brasileiras não acreditam que as
propagandas de TV mostram a mulher da vida real. Para 65%, o padrão de beleza
nas propagandas é muito distante da realidade da nossa população, e 60%
consideram que as mulheres ficam frustradas quando não conseguem ter o corpo e
a beleza das mulheres mostradas nos comerciais.
A pesquisa mostrou ainda que 84% da população - 84% dos
homens também! - acham que o corpo da mulher é usado para promover a venda de
produtos. Para 58%, as propagandas de TV mostram a mulher como um objeto
sexual, reduzida a bunda e peito. Um dos dados mais interessantes do estudo, no
entanto, é o que aponta que 70% da população defendem algum tipo de punição
para os responsáveis por propagandas que mostram a mulher de forma ofensiva. Ou
seja, de maneira semelhante ao dado da
pesquisa da Fundação Perseu Abramo, que revelou que 71% dos brasileiros e
brasileiras defendem a regulação dos meios de comunicação de massa, agora,
percentual equivalente também defende a regulação da propaganda, com
responsabilização pela veiculação de conteúdos machistas e que violem os
direitos das mulheres.
Na avaliação da diretora executiva do Instituto Patrícia
Galvão, Jacira Melo, a pesquisa será uma ferramenta importante para levar este
debate ao conjunto da população do país. "Uma coisa são nossos argumentos,
do movimento feminista. Outra é uma pesquisa que mostra uma percepção
contundente e coerente da população sobre este tema", disse.
No Brasil, a regulação da publicidade cabe ao CONAR,
conselho de autorregulação do setor, que atua com base no Código Brasileiro de
Autorregulamentação Publicitária.O Código, em seus artigos 19 e 20, afirma que
"toda atividade publicitária deve caracterizar-se pelo respeito à
dignidade da pessoa humana" e que "nenhum anúncio deve favorecer ou
estimular qualquer espécie de ofensa ou discriminação racial, social, política,
religiosa ou de nacionalidade". As críticas à atuação do CONAR, no
entanto, são inúmeras, da lentidão à não aplicação efetiva do Código.
É por isso que países como a França e a Inglaterra adotam
mecanismos de corregulação da publicidade. Ou seja, se a autorregulação não
funciona, o Estado - através da aplicação de leis e do funcionamento de órgãos
reguladores - tem o direito e o dever de agir. E a pesquisa do Data
Popular/Instituto Patrícia Galvão é a prova de que as mulheres seguem sendo
desrespeitadas nas propagandas de TV no Brasil.
Falta diversidade
A pesquisa lançada nesta segunda-feira também apresenta uma
série de dados que mostram a brutal ausência de diversidade na representação da
mulher nos comerciais de televisão. Na percepção da sociedade, as mulheres nas
propagandas são majoritariamente jovens, brancas, magras e loiras, têm cabelos
lisos e são de classe alta. O problema é que não é assim que as mulheres querem
se ver representadas.
Enquanto 80% consideram que as propagandas na TV mostram
mais mulheres brancas, 51% gostariam de ver mais mulheres negras. Não
coincidentemente, a população negra no Brasil é muito próxima deste percentual.
Enquanto 73% consideram que as propagandas na TV mostram mais mulheres de
classe alta, 64% gostariam de ver mulheres de classes populares nas
propagandas. Enquanto 87% veem mais mulheres magras nas propagandas na TV, 43%
gostariam de ver mais mulheres gordas. Enquanto 78% veem mais mulheres jovens,
55% gostariam de ver mais mulheres maduras.
Há quem possa argumentar: "mas a publicidade nunca
trabalhou com representação; sempre vendeu um determinado padrão". A
novidade é que isso não está mais colando!
Para Renato Meirelles, diretor do Instituto Data Popular, a
pesquisa mostra que há uma crise de identidade na publicidade e uma
incompetência do mercado em relação à mulher. Enquanto as mulheres querem se
ver e se reconhecer nas propogandas, os comerciais continuam trabalhando com um
padrão aspiracional. "A questão é que a lógica da frustração não serve
mais para vender produtos no Brasil. A mulher quer algo que está ao seu
alcance, e não o impossível", afirma.
Ou seja, nem com toda a overdose massacrante dos padrões de
beleza, que transformaram o Brasil no país da cirurgia plástica e dos lucros
bilionários da indústria dos cosméticos, a mulher brasileira deixou de
considerar importante se sentir representada na TV. Isso ficou muito claro na
pesquisa. E certamente será um importante instrumento de luta para deixar a
televisão brasileira com a nossa cara.
A partir dos dados da pesquisa, o Instituto Patrícia Galvão
lançará um concurso de vídeos que discutam o tema da imagem da mulher na
publicidade. A íntegra do estudo pode ser acessada aqui.
Por Bia Barbosa, jornalista, membro do Conselho Diretor do
Intervozes e militante feminista.
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