Os avanços brasileiros
nos últimos 10 anos são visíveis em diversos níveis sociais e econômicos. No
entanto, esses avanços não existem no campo das políticas de comunicação social
com democratização e as condições de produção cultural e simbólico referente a
comunidades, povos e grupos historicamente marginalizados.
Essas comunidades, como
explicitado no decreto federal nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, são “grupos
culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas
próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais
como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e
econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e
transmitidos pela tradição”. Entretanto, eles não participam dos processos da
democratização dos meios de comunicação social, sendo excluídos dos processos
de elaboração de bens simbólicos e das transmissões desses bens.
Dessa maneira, esta
reflexão parte do pressuposto comunicacional humano, a potencialidade dessa
dimensão antropológica por meio dos meios de comunicação e como tais meios são
negados aos grupos historicamente marginalizados na sociedade brasileira como
exemplo explícito de falta de democratização dos meios de comunicação social,
produzindo um retrocesso no Estado democrático de direito e uma lacuna no
desenvolvimento social da última década.
Dimensão
antropológica
O ser humano é um
comunicador, têm os equipamentos biológicos e a estrutura cultural para tal
processo, por isso ele transforma a realidade em discurso e a reelaborar de uma
maneira a proporcionar significações profundas em sua vida como um todo.
Comunicar é ter em si o aspecto de sujeito social, político e econômico, e
junto com seus semelhantes elabora significações sobre sua realidade. Isso é
comunicar-se! Assim essa ação proporciona sentido à existência, orientando suas
ações para representar-se e representar o mundo.
Comunicação é
compartilhar dos espaços simbólicos, da coabitação e confiança. Pela
comunicação se faz uma captação dessa novidade e uma leitura dentro de um nível
de conhecimento, de saber e de vivência que perpassam por níveis pessoais e
comunitários, moldando, desse modo, novos valores e leituras da atualidade,
adaptando os grupos e os indivíduos na sociedade humana.
Na sociedade atual,
esse poder humano se maximizou com os sistemas de comunicação social.
Entende-se comunicação social como um conjunto de tecnologias e técnicas que
envolvem produção e reprodução de bens simbólicos e sua transmissão, que não se
limita apenas em informação por meio sofisticados (internet, TV, rádio), mas
amplia-se em relações sociais, instituições, normas e sujeitos que perpassam as
plataformas tecnológicas. Além do mais, as formas sistemáticas da comunicação e
sua instantaneidade delineiam as estruturas das organizações globais, combinando
nas influências da comunicação tanto em nível social como individual. Tudo isso
gera uma interrelação, desenvolvendo a circulação de bens simbólicos,
linguagens, culturas e identidades, potencializados pela comunicação social na
vida das pessoas.
A
monopolização das narrativas
No entanto, surgem as
disparidades marcadas por níveis de vida variados, próximos fisicamente, mas
que mantêm uma profunda distância nos campos econômicos, sociais, políticos e
culturais. O acesso, por exemplo, ao contexto da globalização, ou mesmo da
influencia global em nível local, tornam-se um mecanismo de separação
econômica, dando características marginais a grupos e a populações inteiras que
não se adaptam a nova lógica de consumo e práticas culturais.
Aqueles que
historicamente não se adequam às condições econômicas, sociais, políticas e
culturais da sociedade dominante tendem a ser marginalizados e excluídos do
processo da comunicação social. Percebe-se que nada é feito, mesmo com os
avanços no reconhecimento dos grupos como as comunidades e povos tradicionais
pelo Estado e sua tentativa de ouvi-los em fóruns. Em outras palavras, as
políticas públicas de comunicação existentes não contemplam a dimensão
comunicacional desses grupos que lutam pelo direito de divulgar suas ideias,
suas identidades, sua forma de pensar, agir e desenvolver-se segundo o Estado
democrático de direito.
Historicamente, os
meios de comunicação foram privilégio da elite, pois dominar tais tecnologias é
uma condição que não se desvincula do poder econômico e cultural. A alta
concentração desses meios na mão de uns poucos possibilita a monopolização das
narrativas da realidade, sua interpretação e o fortalecimento político de quem
os utilizam, possibilitando a influência desses meios nas camadas sociais mais
diversas.
Castelo
de cartas
O que se percebe é que
no Brasil a alta concentração dos meios de comunicação tem sua produção voltada
para o lucro econômico, ao mesmo tempo em que a ideologia capitalista
marginaliza e exclui quem não se adequa à sua lógica. Dessa maneira, o que há
são os monopólios e oligopólios dos meios de comunicação, sua concentração
econômica nas mãos de grupos privilegiados, não só na transmissão dos bens
simbólicos mas na sua produção, ferindo os princípios democráticos de
pluralidade, regionalização e utilidade pública e sociocultural de tais meios
de comunicação.
As concessões públicas
na área de comunicação passam a ser utilizadas como fonte de renda e lucro,
privilegiam grupos religiosos e políticos que reforçam os preconceitos e ferem
os Direitos Humanos no que diz respeito as conquistas das áreas fundamentais de
reconhecimento dos povos marginalizados. Em meios e programas financiados
institucionalmente combatem, desconhecem e ignoram as necessidades dos povos
historicamente marginalizados por causa da cosmovisão, tradições e relações
sociais construídas às margens do processos legitimadores do Estado brasileiro.
Assim sendo, a
democratização dos meios de comunicação deve ser o passo seguinte para o
desenvolvimento das conquistas sociais do Brasil, tanto no campo social como
econômico. O próximo passo qualitativo é político, dar voz e vez aos grupos
marginalizados, uma ação significativa nesse processo: ou se democratizam tais
meios ou o desenvolvimento dos últimos 10 anos se tornará um castelo de cartas,
fadado aos escombros e à eterna marginalização dos povos e comunidades
tradicionais, fomentadores da cultura e identidade brasileira.
Por Moisés dos Santos
Viana, jornalista e professor
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