Por Paulo Victor Melo*
Em meio às atenções da população voltadas quase que exclusivamente para a Copa do Mundo e para os últimos momentos de definições das alianças político-eleitorais, uma ação realizada no município de Nossa Senhora da Glória, na última semana, ganhou repercussão na imprensa sergipana e, em alguma medida, em nível nacional. Me refiro à ocupação dos microfones da rádio Xodó FM por integrantes do MST, na quarta-feira passada (25).
Durante trinta minutos, camponeses e camponesas tiveram a oportunidade de rebater as acusações e ofensas feitas diariamente pelo radialista Anselmo Tavares. “Corja”, “bandidos”, “ladrões”, “marginais”, “quadrilha” são alguns dos adjetivos que o apresentador do programa Jornal da Xodó utiliza para, de forma leviana e irresponsável, se referir ao MST.
Como era de se esperar, da mesma forma que acontece quando o MST ocupa terras improdutivas, o ato na Xodó FM provocou uma série de reações contrárias. Dessa vez, porém, até mesmo setores progressistas da sociedade se manifestaram repudiando a ação do movimento. Todos afirmando que a atitude do MST representou uma ameaça à liberdade de expressão. Aqui, cabem alguns questionamentos: será mesmo liberdade de expressão utilizar uma concessão pública para difamar uma organização coletiva? Será mesmo liberdade de expressão usar uma concessão pública para promover discurso de ódio? Existe mesmo liberdade de expressão quando a propriedade dos meios de comunicação está concentrada em alguns grupos políticos e econômicos? A liberdade de expressão deve ser garantida apenas aos que têm uma concessão de rádio ou televisão e aos que apresentam programas nessas emissoras? E o direito do MST em negar todas as acusações de que é vítima diariamente?
São perguntas que não fazem parte da agenda pública de debates em Sergipe (justamente pela realidade de controle dos meios de informação), mas que colocam em xeque um suposto conceito de liberdade de expressão tão reivindicado pelos concessionários de rádio e televisão em momentos como esse e demonstram que, seja em nível estadual ou nacional, o que há é uma privatização do espaço público que é o rádio e a televisão. Logo, uma privatização do direito à liberdade de expressão.
Por isso, mais do que uma espécie de direito de resposta, a ação do MST ajudou a quebrar o silêncio sobre os meios de comunicação que paira em Sergipe. Ao ocupar os microfones da Xodó FM, o MST não apenas se defendeu das acusações que sofre diariamente, mas, acima de tudo, escancarou o latifúndio da mídia que existe em Sergipe. Latifúndio este que tem como proprietários e patrocinadores velhas e nem tão velhas assim oligarquias (ou famílias, se preferir) conhecidas na política estadual. Os mais antigos foram “beneficiados” na farra da distribuição de concessões em troca de apoios político-eleitorais, que teve o seu auge no final dos anos 1980, quando o Ministro das Comunicações era ninguém menos que o baiano Antônio Carlos Magalhães, um dos maiores controladores de rádio e TV da história do país. Outros, a partir do poder econômico do qual desfrutam, perceberam na comunicação um instrumento estratégico de conquista de poder político e, por isso, saíram criando ou comprando emissoras de rádio em todos os cantos do estado.
Importante frisar que essa relação das oligarquias políticas com a propriedade de rádio e televisão não é exclusividade de Sergipe, mas uma realidade nacional. Um estudo realizado pelo projeto Donos da Mídia identificou que mais de 270 políticos são sócios ou diretores de veículos de comunicação em todo o país. Uma afronta tanto ao Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, quanto à Constituição Federal de 1988, que proíbem que políticos desempenhem a função de diretor ou gerente em empresas de rádio e TV, ou ainda que mantenham contratos, exerçam cargos ou emprego remunerado nestas empresas.
E assim como os latifúndios agrários, o latifúndio da mídia é rodeado de cercas que, ao longo da história, impediram o acesso do povo brasileiro em sua diversidade. Cercas como a ausência de debate público sobre o tema, como a priorização da exploração privada dos meios de comunicação em detrimento do bem público, como a concepção da comunicação como mercadoria e não como direito.
Cercas essas que, em favor da democracia, da diversidade e do pluralismo da nossa sociedade, precisam ser quebradas, inclusive com ações como a que o MST promoveu na Xodó FM.
*Texto publicado em: http://www.infonet.com.br/paulovictor/ler.asp?id=160192